“É parte da cura o desejo de ser curado.” Sêneca
Só existem duas formas de tratar um paciente com infecção ortopédica. Ou se faz um tratamento supressivo ou se faz um tratamento curativo. Discutir essa diferença é importante pois, somente conhecendo-as é que se mitiga problemas de julgamento frente às condutas dos pacientes acometidos com temível complicação. Uma vez conhecidas as principais diferenças é que se consegue minimizar o ruído emocional causado pelo diagnóstico de infecção decorrente de uma conduta ortopédica e, de fato, agregar valor real ao paciente acometido.
O impacto causado por conta da confusão entre esses dois tratamentos é, de longe, responsável pelos maiores sofrimentos e gastos desnecessários quando se trata de complicações infecciosas ortopédicas. Ao se confundir as duas modalidades ou ao se realizar de forma ineficaz qualquer uma das propostas, o resultado jamais será o desejado por médicos e por pacientes.
O tratamento curativo é uma unidade. Não pode ser fragmentado e corresponde a uma situação de tudo ou nada. Um tratamento curativo realizado de forma incompleta é o mesmo que realizar um tratamento supressivo sem se dar conta da escolha.
Sua característica mais marcante é a necessidade de ter uma etapa cirúrgica. Não há tratamento curativo sem cirurgia. E essa cirurgia requer uma técnica específica, caso contrário, será completamente ineficaz. O tratamento curativo requer planejamento meticuloso e execução perfeita. O cirurgião tem que ter a capacidade, treinamento e experiência para realizar um verdadeiro desbridamento oncológico com remoção de todos os componentes e tecidos comprometidos, incluindo todos os implantes e corpos estranhos.Todo osso necrótico deve ser extirpado, todo o biofilme implantado em partes moles também.
O cirurgião durante esse momento deve se desvencilhar do cirurgião reconstrutor. São momentos separados onde as duas personalidades não devem conversar entre si. A única forma de dar esperanças ao paciente é realizando a melhor destruição possível. Apesar de não conversarem, é na etapa do planejamento cirúrgico que a reconstrução deve ser meticulosamente pensada. A extensão do dano deve ser calculada. O que requer muita experiência. A reconstrução não pode ser subestimada (um dos erros mais comuns) e deve ser tratada por profissionais auxiliares experientes e entendedores da filosofia desse tipo de reconstrução: cirurgiões plásticos e microcirurgiões. A etapa chave, a mais importante de todo o tratamento curativo é o desbridamento.
Sem saber o patógeno causador da doença, sem realizar o desbridamento mais otimizado possível, sem reconstrução e estabilização óssea, sem manejo de espaço morto, sem reconstrução de partes moles e sem antibioticoterapia adjuvante correta, não há como obter sucesso numa abordagem curativa. E todas essas etapas devem ser cumpridas com excelência e de acordo com o planejamento prévio.
Existem outros dois fatores muito importantes a serem levados em consideração: a capacidade do paciente suportar o tratamento curativo e a viabilidade do tratamento nas condições, local e momento que se propõe a ser feito.
Hipócrates, há mais de 2000 anos, foi categórico em dizer que o médico tem dois objetivos – fazer o bem e não fazer o mal. De acordo com o princípio da não- maleficência, operar alguém para obter, na melhor das hipóteses, um resultado idêntico ao que o paciente teria se não fizesse nada é um erro. Piorar a situação do paciente então, é a pior das situações. Com base na Classificação de Cierny e Mader, somos capazes de classificar os pacientes em 3 tipos: aqueles que são hígidos (tipo A), os que tem comorbidades sistêmicas e/ou locais (tipo B) e os que tem prejuízos e/ou morte com a intervenção cirúrgica, portanto, inoperáveis (tipo C). Por definição, os pacientes do tipo C não são candidatos, em nenhuma hipótese, ao tratamento curativo, pois não podem e não devem ser operados. Sendo assim, infringem a condição necessária para obtenção da cura.
O julgamento clínico deve ser apurado para evitar confusões acerca da classificação no momento em que o paciente está sendo avaliado. Talvez uma regra prática seja avaliar a convexidade ou concavidade da opção a ser tomada. Determinado paciente tem mais a perder ou a ganhar com a intervenção proposta? Consigo quantificar os prejuízos? Os ganhos são limitados? Uma boa escolha reside em optar por uma convexidade que é quando os prejuízos são limitados e quantificados facilmente e os benefícios são indeterminados, podendo inclusive crescer de forma exponencial.
A outra questão, de forma bem prática, é saber se o tratamento proposto tem condições de ser realizado. Planejar meticulosamente é a melhor forma para responder esse questionamento. Sem os insumos necessários, sem a técnica adequada, sem os serviços de suporte adjuvantes não é possível realizar de forma plena a proposta. E, qualquer incompatibilidade na fase de execução, gera um tratamento curativo incompleto, o que na prática, nada mais é do que um tratamento supressivo. Por definição.
É importante se atentar nesse momento, pois se há a percepção que algo não será executado de forma correta ou se algo não estará à disposição antes, durante ou depois da cirurgia, o próprio procedimento deve ser questionado. É melhor não executar nenhuma intervenção em situações subótimas. Deve-se seriamente cogitar transferir o paciente a um centro que possa oferecer tudo que for necessário para se atingir a tão importante unidade do tratamento curativo. Os heroísmos não são suportados nesse tipo de patologia.
A questão temporal é um dos fatores mais importantes. Se o momento do paciente não for adequado, o insucesso é a regra. Pacientes colonizados com bactérias hospitalares resistentes devem ser descolonizados primeiro. A melhor medida é a desospitalização. Pacientes desnutridos devem ter aporte protéico regularizado antes da intervenção. Descompensações clínicas devem ser solucionadas. Desequilíbrios psicológicos devem ser abordados com prioridade, pois interferem no resultado final. O momento da cirurgia deve ser o melhor possível.