Infecção Ortopédica

AS FORMAS DE INFECÇÃO ORTOPÉDICA

Apesar de, genericamente, nos referirmos como osteomielite, as infecções ortopédicas são divididas em 3 tipos:

Osteomielite decorrente de alterações ósseas ou metabólicas

Infecção decorrente de fraturas

Infecção periprotética

Essa classificação surgiu, principalmente, com o objetivo que desejamos alcançar em cada uma delas.

Ainda que os pilares de tratamento sejam praticamente os mesmos
(com algumas variações), o mais importante é o objetivo que desejamos para o paciente a longo prazo e com base nessa classificação, planejamos o tratamento.

Resumidamente, osteomielite não é sempre a mesma coisa. A depender de como se origina e qual o objetivo do tratamento, alguns subtipos são
descritos. Esses subtipos são importantes para nortear a abordagem e o que esperar do futuro para cada paciente. Existem situações em que o próprio corpo está sujeito a desenvolver infecção óssea sem intervenção externa. O objetivo é tratar essa situação visando a cura e minimizar os danos a curto, médio e longo prazo.

Outra situação é a infecção associada a fraturas. Nessa forma de infecção
o objetivo primeiro é curar a fratura. Se possível curar a infecção ao mesmo tempo, melhor. Mas sempre há a possibilidade de curar a infecção após a consolidação da fratura. A condição do paciente de ter fratura é uma situação temporária.

No último subtipo, temos a infecção relacionada a próteses articulares. A condição do paciente de ter uma articulação substituída por uma prótese
é uma situação definitiva e perene. Portanto, nesse caso, o objetivo é curar a infecção e recolocar a prótese. Sempre nessa ordem e podendo, inclusive, ser feito ao mesmo tempo (medida a qual eu advogo). É importante que o
paciente entenda essas diferenças. Todo o raciocínio clínico e cirúrgico está embasado nisso. E o prognóstico desejável também. Um dos pilares do bom resultado é o auto-entendimento do paciente sobre sua situação.

Dr. Mário Soares

Veja a seguir:

Existem algumas alterações ósseas que propiciam o desenvolvimento de uma infecção dentro do osso de alguns pacientes, como por exemplo:

Alterações anatômicas, de velocidade de fluxo sanguíneo dentro das metáfises, tumores, deficiências imunológicas e alterações do metabolismo do sangue, dos rins, do fígado e até mesmo hormonais são causadoras de ambientes favoráveis para o surgimento da osteomielite.

Bacteremias simples, quando as bactérias rodam o corpo através da circulação sanguínea decorrente de infecção de outros órgãos, são gatilhos para que se desenvolva a osteomielite de origem hematogênica. 

Nessa forma de infecção, ao rodar pela circulação sanguínea, as bactérias encontram ossos onde podem estacionar e se desenvolver de forma agressiva. Acabam por destruir os ossos que acometem perfurando-os, extravasando para os tecidos próximos. 

Isso também pode acontecer dentro de uma articulação e gerar um diagnóstico que é uma das emergências ortopédicas: a artrite séptica. 

Ao ganhar a articulação, as bactérias se desenvolvem num ambiente com pouca capacidade de se defender. O estrago da cartilagem articular é devastador e irreversível se não for prontamente combatido. Essa é uma situação que , infelizmente,é mais comum nas crianças.

Tratamento

O tratamento desejável é uma abordagem que interrompa esse processo: tratar a causa que gerou a bacteremia e um bom senso entre cirurgia e antibióticos. A abordagem se deve a localização dessas infecções hematogênicas. 

Uma infecção de coluna vertebral costuma responder bem somente com antibióticos. Uma artrite séptica necessita obrigatoriamente de abordagem cirúrgica, independente da idade do paciente. Em caso de recém-nascidos, como esse diagnóstico, a indicação também é cirúrgica.

O objetivo do tratamento dessa forma de infecção é que o paciente tenha o menor número possível de sequelas no futuro ou vida adulta, que não desenvolvam osteomielite crônica, fístulas, destruição articular ou morte decorrente da infecção. 

Apesar de ser um subtipo comum quando pensamos em fraturas expostas, (por exemplo), atualmente esse é um dos temas mais estudados em Ortopedia.

Até o presente momento, não existem consensos sobre o tema. O conhecimento baseado em evidências ainda é escasso.

Tudo o que foi feito até então são escolhas individuais de alguns serviços ou de alguns profissionais. A experiência individual é o que reinava. Até mesmo a definição do que é esse tipo de infecção só foi definida na última década. A causa desse tipo de infecção é melhor definida como uma infecção por contiguidade. O osso foi exposto e a bactéria diretamente encostou e ali se desenvolveu. Pode ter sido decorrente do acidente, outrora mencionadas as fraturas expostas, bem como ter sido iatrogênica (iatros – médico, gênico- origem). Esse termo não indica erro médico, pelo contrário, significa apenas que houve origem de uma intervenção médica (como cirurgia, por exemplo). 

O grande desencadeador dessa osteomielite é o status do paciente. 

Pacientes com imunidade comprometida como por exemplo: pessoas com  diabetes, fumantes, com insuficiência renal, desnutrição, politrauma, entre outras, favorecem o ambiente ideal para as bactérias se proliferarem numa taxa maior, dificultando a defesa durante traumas ou cirurgias. 

O grande objetivo nesses casos (onde temos uma infecção associada a uma fratura) é que a infecção não comprometa a consolidação óssea

IMPORTANTE:

Há um quadro mais complicado que a osteomielite que é uma pseudoartrose (não consolidação óssea) infectada. Ao se avaliar o caso, deve-se levar em consideração alguns fatores como; tempo da infecção, estabilidade óssea (qualidade da fixação da fratura) e se há biologia adequada (aporte sanguíneo) no local da fratura. 

Se tudo estiver dentro de parâmetros aceitáveis, um tratamento supressivo deverá ser instituído até que a consolidação ocorra e um tratamento definitivo – curativo- deverá ser instituído ao final, visando eliminar o material de osteossíntese (placas, parafusos e hastes). 

Caso esses parâmetros não estejam adequados, a recomendação a se fazer é uma abordagem curativa recomeçando todo o processo novamente. Em alguns casos, o tratamento definitivo seriado poderá ser utilizado – Técnica de Masquelet. 

É relevante nesse tipo de situação  saber que uma fratura tem um caráter temporário. É resolvê-la e mitigar as sequelas futuras.

Esse tipo de infecção quase sempre é decorrente de algo que aconteceu antes, durante ou após a colocação da prótese. Portanto, pode-se dizer que é por contiguidade. Apesar de que em situações mais raras, bacteremias a distância podem contaminar a prótese instalada há muitos anos, sendo nesse caso, origem hematogênica. A grande premissa aqui é que uma prótese articular é algo definitivo. Uma prótese substitui uma articulação. Após a colocação de uma prótese, não há volta. A pessoa será dependente para sempre desse dispositivo. A abordagem deve ser focada em curar a infecção para que uma nova prótese seja colocada no paciente, possibilitando alívio das dores e melhora da qualidade de vida. 

Abordagens supressivas deveriam ser a exceção, pois implicam em muito sofrimento ao paciente. Pela gravidade desse tipo de infecção e de suas repercussões ao paciente, essa é a forma mais estudada ao longo dos anos. Desde o fim dos anos 60, os europeus já estudavam como resolver esse problema. Os ingleses sempre focaram na prevenção – técnica cirúrgica, instrumental, sala cirúrgica entre outros. Já os alemães desenvolveram o cimento com antibiótico e obtiveram redução drástica nas infecções. Esse mesmo centro, a ENDO-Klinik de Hamburgo, desenvolveu a técnica de revisão em 1 estágio. Essa técnica é normatizada e há décadas é realizada em alto volume (em média 600 casos por ano nesse mesmo centro. Outros centros no mundo preferem realizar a revisão em 2 estágios. Todavia não há, até hoje, uma normatização dessa técnica. Cada centro tem autonomia nas ações, obtendo resultados diferentes. 

Um dos motivos de se realizar revisões em 2 estágios é o receio dos cirurgiões em realizar a técnica de estágio único e não obterem sucesso. 

“Um comprometimento cultural e filosófico que, ao meu ver, deve ser combatido de forma agressiva. Não há nenhuma comprovação, nem evidência científica, de que a revisão em 1 estágio é inferior à revisão em 2 estágios. Essa frase está escrita dessa forma de propósito. Pelo simples fato científico e filosófico que é mais fácil provar o que não é do que o que é.”

Apesar de rara, em torno de 2%, essas infecções são devastadoras aos pacientes e aos sistemas de saúde. O gasto de uma prótese infectada chega a ser 23 vezes o valor gasto de uma colocação da primeira prótese. 

Há que se considerar ainda que normalmente, esses pacientes enfrentam uma via crucis de sofrimento extremo com muitas dores, fístulas secretivas e mal cheirosas, além de realizarem inúmeras cirurgias sem sucesso.

“É aquele momento onde muitos tem a certeza do que o que está ruim pode piorar. Vou repetir mais uma vez: o objetivo aqui é que a infecção nesse caso seja curada e o paciente possa ser submetido a nova colocação de uma prótese articular, cirurgia definitiva e sem alternativas, para que seja viável ter uma vida sem dor e com qualidade de vida.”

Mário Soares